terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Reunião de Diretoria


Reunião de diretoria, sala lotada, todos ansiosos. O diretor chega, dá seus recados (e seus puxões de orelha), revisa algumas direções que foram dadas para a equipe e pergunta como estão as evoluções de cada um, começando pelo João.

JOÂO: OK, vamos lá. Bom dia a todos!

TODOS: Bom dia!

JOÂO: Começamos o período discutindo os indicadores de performance, identificamos os desvios e suas causas e construímos um plano de ação para cada desvio.

DIRETOR: Hum!

JOÂO: Também finalizamos aquele projeto junto com TI para automatizar as atividades mais críticas da área, com um saving de 10% em relação ao previsto e apenas 5 dias de atraso.

DIRETOR: Bacana, parabéns!

JOÃO: Além disso, fizemos um Kaizen no armazém, com ganho de 40 horas de trabalho por mês, uma melhor organização do armazém e redução nas faltas de materiais.

DIRETOR: Opa, que show! Muito bom mesmo. Agora chega, vamos dar a vez para os colegas. E você Juca, o que fez neste período.


JUCA: Tudo o que o João relatou!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Sobre processos e amplificadores


Meu sonho, quando era mais guri, era comprar um amplificador de guitarras valvulado da Marshall. Eu fazia parte de uma banda de rock na época, e achava que com um bom amplificador ninguém me seguraria. Nunca consegui comprar o Marshall. Quando queria, não tinha dinheiro, quando tinha dinheiro, as prioridades eram outras. Coisas normais da vida normal. Mas mesmo sem nunca ter comprado o famoso amplificador, eu consegui uma chance de ouro de aproveita-lo ao máximo.

Eu e meus amigos de banda juntamos uma grana e resolvemos gravar nossas músicas em um estúdio local. Naturalmente queríamos mostrar para o mundo o poder de nossas músicas de 3 minutos, 3 acordes e 3 temas (cerveja, garotas e revolta). O estúdio era de um amigo, conterrâneo e meu veterano no curso de engenharia elétrica. E adivinhe, ele tinha um Marshall valvulado.

Chegamos ao estúdio bem ensaiados e cheios de vontade, montamos os equipamentos e começamos a gravação. Eu não via a hora de começar a gravar a guitarra. Ficava olhando o Marshall, quietinho na sala de gravação, esperando a vez dele. Ele me olhava de volta, meio que me desafiando, como se eu não fosse capaz de encara-lo. Ele tinha razão.

Quando chegou a minha vez, respirei fundo, pluguei a guitarra, que estava com cordas novas, bem afinadinhas, e dei o primeiro acorde. Um desastre. Que som horrível, rachado, sem brilho, sem sustentação. Realmente muito ruim. Antes que eu conseguisse pensar em me recuperar da decepção, o dono do estúdio entrou na sala de gravação e disse “me deixa ver tua guitarra.” Ele pegou minha Tonante, olhou para ela, olhou para mim com muita dó e me lembrou de um conceito muito básico, bastante explorado no curso no qual ele era meu veterano, se o sinal de entrada é ruim, basicamente ruído, o amplificador não vai arrumar o sinal, vai apenas amplifica-lo. Em outras palavras, se a guitarra é uma bosta (como é o caso da Tonante), um Marshall valvulado não vai fazer milagre.

No fim não teve jeito de gravar com aquele negócio. Por sorte o dono do estúdio é um baita guitarrista e emprestou uma das suas para que a gravação não naufragasse. Registramos nossas músicas orgulhosos, ficamos razoavelmente conhecidos, ao longo dos anos seguintes gravamos dois CDs e, quando batemos a casa dos 30 anos, fomos abandonando aos poucos o ofício de roqueiros revoltados contra o sistema. Encaixamo-nos no padrão esperado e tocamos a vida.

Os anos passaram, os tempos de banda ficaram para trás e eu me peguei esses dias pensando naquele Marshall desgraçado. Estava com um dilema para resolver no trabalho e a lembrança daquele amplificador e da minha guitarra podrona caiu como uma luva. A discussão era sobre por onde iniciar o redesenho de um processo de negócio razoavelmente grande da empresa. Eu era responsável por conduzir a iniciativa, o grupo era de umas 10 pessoas de diversas áreas, e o calor da discussão aumentava na medida em que cada um pensava somente no seu feudo, e ninguém estava preocupado em resolver o todo.

Com o mapa da situação atual do processo colado na parede, dividido em 4 etapas diferentes, falei “pessoal, caiu a ficha, já sei por onde começar”. Todos olharam e ficaram esperando eu lançar a ideia, provavelmente para lincha-la, continuei “vamos começar pela guitarra. Temos que ter uma Fender Stratocaster americana. Não adianta querer Marshalls valvulados enquanto tivermos tocando uma Tonante”. Foi divertida a reação coletiva. Todos ficaram me olhando. Um até puxou o telefone, e depois desistiu. Acho que pensou em ligar para a segurança ou para o ambulatório (porque empresas não têm sanatório – muitas deveriam). Curti a perplexidade geral por uns30 segundos e contei a história do Marshall. Apelidamos a parte 1 do processo de Tonante, a 2 de cabo, a 3 de Marshall e a última de fita de gravação. Ficou claro para todos que tínhamos que, antes de mais nada, encontrar uma guitarra adequada para conseguirmos fazer uma boa música empresarial. E assim foi feito.


Se você teve paciência de ler até aqui deve estar pensando, “caramba, toda essa história para o cara chegar à conclusão de que o ideal é sempre começar pelo começo?”. Verdade, é que nas situações mais diversas da vida, como estúdios de gravação musical ou grandes corporações a gente tem essa mania de complicar o obvio. Grande amplificador aquele Marshall.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

João


E tem o João, que era representante de uma empresa que representava materiais e equipamentos elétricos e de automação de outra empresa bem maior, e francesa. A francesa não tinha unidade aqui na região, e escolheram a empresa do João para representa-los. Para ser bem honesto, eu não gostava muito do João. Eu era cliente dele, mas achava ele muito bola murcha, se é que ainda existe essa expressão. Devagar mesmo, pouca energia. E um pouco reativo também, do tipo que não assume a responsa de muita coisa e faz aquela cara de “o que é que eu posso fazer?” No final das contas, eu estava errado. Era preconceito porque ele não era igual a mim. Onde já se viu não ser igual a mim?

Um dia eu estava de férias, como eventualmente a gente fica, em uma cidade do litoral chamada Itapoá. Não tinha nada lá, à exceção da pousada em que estávamos, casas, terrenos vazios, alguns restaurantes e um centrinho bem desprovido. Ah, e tinha uma farmácia. E foi lá que a coisa complicou. Minha esposa comprou uns remédios e tentou passar o meu cartão. Ela achou que sabia a senha, mas não sabia. E tentou a senha que não sabia umas 3 vezes e não funcionou. Devolveu-me o cartão dizendo que estava com problema e ficou assim.

Não podíamos ficar sem cartão, pois isso significaria ficar sem dinheiro para terminar as férias. Tenho o grave problema de não carregar dinheiro nem para o café do assaltante. Peguei o carro e fui até Guaratuba, outra cidade litorânea, um pouco mais bem equipada. Descobri no caixa automático que minha esposa tinha razão, o cartão não funcionava. Alguns quilômetros dirigindo no sol escaldante para descobrir que minha esposa tinha razão, o que é algo bem frequente e obvio. Voltei para a pousada em Itapoá e vi como única alternativa ligar para o gerente do banco que, por uma sorte danada, estava na minha lista de contatos do celular. Ele atendeu:

- Alô.
- João, tudo bem, é o Rodrigo.
- Tudo bem e você? Sumido!
- Pois é, na correria, você sabe. – lembrando, eu estava de férias – Escuta João, eu sei que está tarde e a agência fechou, mas vou precisar de uma ajuda urgente. Estou no meio do nada e aconteceu alguma coisa com meu cartão – àquela altura eu ainda não sabia das 3 tentativas frustradas da minha esposa de usar o cartão na farmácia. – Preciso sacar dinheiro e não consigo.

Não deu nem tempo de eu perceber o ponto de interrogação gigante em forma de silêncio do outro lado da linha. Rapidamente ele respondeu:

- Estranho, mas você tentou ir num caixa?
- Sim, estou em Itapoá, que não tem nada. Fui até Guaratuba e tentei, mas sequer entra na conta.
- Estranho. Desculpe perguntar, mas você está com saldo? Não estourou tua conta?
- Porra João, é por isso que estou te ligando. Teoricamente não estourei, pois saí com a conta em ordem e não me lembro de nenhum gasto exagerado, mas precisava que você visse o que houve.
- Rodrigo, vai ser bem difícil eu ver isso agora, mas me conte uma coisa, será que você não bloqueou o cartão sem querer?

Estava pronto para dar um xingo nele quando a imagem da minha esposa na farmácia, dizendo que o cartão não funcionava, pulou na minha cabeça. Não dei o xingo:

- Puta merda João, acho que você está certo. Deixa eu ver o que houve e depois te ligo.
- Claro, a hora que quiser.

Depois de esclarecer o caso com minha esposa, cheguei à conclusão que não teria outro jeito senão esperar o dia seguinte, ligar para o João novamente, e pedir para ele desbloquear o cartão quando estivesse na agência. Estava voltando para o quarto da pousada quando a ficha caiu. “Caraca, eu liguei para o João errado.” Eu tinha sentido algo estranho na conversa, mas minha indignação era maior e continuei. Era o João lá do primeiro parágrafo, do qual eu era cliente pela empresa que eu trabalhava. Olhei no celular e confirmei a gafe. Voltei para a rua, onde o sinal do celular era forte o suficiente para fazer ligações, e o chamei novamente:

- João seu louco, é o Rodrigo de novo.

A esta altura ele deve ter pensado, “caramba, eu é que sou o louco?” E respondeu:

- Fala Rodrigo, descobriu o que houve?
- Cara, por que você não me mandou pastar? Por que não falou que eu tinha ligado para o João errado? Para não te encher o saco naquela hora da noite?
- Mas você não estava enchendo o saco, estava com um problema e se eu pudesse ajudar que mal teria?
- O pior é que você tinha razão, o cartão deve estar bloqueado, pois erramos a senha 3 vezes seguidas numa farmácia.
- Acontece sempre, mas amanhã cedo já conseguimos resolver. Qual o teu banco e a tua agência, eu vou lá para você amanhã.
- João, vai tomar banho cara, eu resolvo por telefone. Relaxa. Cara, muitíssimo obrigado pela ajuda viu, e da próxima vez me manda pastar ok? Abraço.
- Valeu, se precisar de mais alguma coisa liga aí.

E foi assim que o João errado fez eu me sentir mal comigo mesmo por um bom tempo. Não por tê-lo incomodado, mas por tê-lo julgado errado por tanto tempo até aquele telefonema. Eu era cliente dele em uma conta vultuosa, tudo bem, mas acima de tudo eu era alguém que precisava de ajuda. E se ele tinha alguma chance de ajudar, ele não pensaria duas vezes.


Aqui na empresa onde eu trabalho, existe um processo de avaliação de desempenho dos colaboradores, que roda a cada semestre. Várias competências são avaliadas. Entre competências técnicas e comportamentais, existe uma chamada “Esforços voltados à satisfação do cliente” e outra chamada “Vontade de ajudar”. Sempre que alguém me pede para explicar melhor alguma dessas competências, eu pergunto, você tem tempo para eu contar uma história? E conto a história do João.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Sobre bolos e currículos


Eu lembro com água na boca do bolo da Rosali, a boleira que fazia a alegria da criançada no colégio que eu estudava quando era criança. Não era um bolo 3D como fazem hoje em dia, com vários andares, pasta americana multicolorida, personagens de desenhos da Pixar (até porque não existia Pixar na época) e silks comestíveis personalizados. Mas era O bolo. Com um recheio que fazia você querer mergulhar ali para sempre. Agora, fazem bolo até de isopor, maravilhosamente lindo, com visual arrojado, cheio de efeitos especiais, mas intragável. E existem, como sempre, as honrosas exceções, com visual de encher os olhos e sabor de encher de alegria o coração.

Tenho 40 anos recém completados e aproximadamente uns 20 de carreira, passando por algumas empresas grandes, ou pertencentes a grandes grupos. É natural então que a esta altura, e tendo participado ativamente da minha comunidade empresarial, de negócios, de publicações especializadas, etc, que eu receba uma quantidade razoável de currículos para analisar, distribuir para a minha rede de contatos, ver se tenho alguma oportunidade e assim por diante. Tudo certo, faço com prazer e dedicação, pois acredito que fazemos realmente parte de uma rede que está sempre se ajudando e crescendo juntos.

O problema é que uma parte considerável dos currículos que recebo são bolo de isopor. Pessoas mais preocupadas em contar a sua história do que em fazer a sua história. Muitas vezes você bate o olho e sabe do que se trata. Não consegue ver uma sequência de fechamentos de ciclos. Sempre na hora de entregar a sua obra, algo aconteceu que levou o profissional a novos desafios. Nada contra novos desafios hein! Mas uma sequência de novos desafios tem que vir acompanhada de novas e boas entregas, e essa preocupação parece ter ido para o espaço. O recheio é ruim. Na melhor hipótese, sem sabor. O problema é que de vez em quando você se engana, acredita no conteúdo, fica louco para meter a espátula e provar o recheio, e depois descobre que não tem nada ali.

Acontece o contrário também, os bolos da Rosali. Deliciosos, com várias camadas de recheio, de dar água na boca, mas com visual pobrinho, bidimensional, antiquado. Claro que prefiro esse do que o outro, mas o risco para o profissional é enorme. Saber fazer, e ter feito, sem saber se vender também é um pecado, por vários motivos. O mais obvio é o prejuízo à própria carreira do profissional em questão, que pode estar perdendo ótimas oportunidades por não saber mostrar seu conteúdo com o apelo visual que os dias de hoje exigem. Outro motivo, mais importante ainda, é que se o profissional não sabe nem se vender, como ele conseguirá ir adiante na carreira, cada vez mais exposto ao escrutínio de pares, superiores e colaboradores? Como ele venderá seus projetos futuros? Como convencerá? É um risco que deve ser analisado na hora de contratar.


No final das contas, o segredo está sempre no equilíbrio. Insisto, ter uma boa história para contar é sempre melhor do que contar bem uma história. Entre os dois, fico com o bolo da Rosali, mas sei que existem, porque já vi alguns ao longo dos anos, boleiros de primeira categoria no mercado de trabalho, que capricham no visual enquanto não descuidam da massa e do recheio. Desses, sempre vou querer uma fatia.

domingo, 7 de dezembro de 2014

SIPOC e a educação no Brasil


Existe uma técnica de levantamento de processos, muito simples, que pode ser utilizada em vários contextos, chamada SIPOC. O nome deriva justamente da estrutura da ferramenta, que consiste em listar processos de negócio identificando-se o processo, seus fornecedores, insumos, saídas e clientes ou, na sequência original, Supplier, Input, Process, Output e Client. SIPOC.

Eu geralmente a utilizo para mapear o contexto de um negócio. Quais seus principais processos, como eles interagem, quais seus limites, como são medidos e assim por diante. Para isso, tomei a liberdade de expandir um pouco o conceito e inclui mais dois elementos, os Indicators e o Owner, ou seja, os indicadores e o dono do processo. Assim, veio ao mundo o SIPOCIO, irmão metido e grandalhão do velho e bom SIPOC.

O SIPOCIO está presente em todas as minhas turmas de pós-graduação. Como leciono gestão por processos de negócio, a ferramenta encaixa perfeitamente nas etapas de mapeamento de contexto. Na figura abaixo, a versão que eu utilizo.



Nas aulas, o exemplo que uso para treinarmos a ferramenta juntos é o da própria sala de aula. Começo perguntando: — “que processo estamos vivendo neste exato momento, dentro desta sala de aula?” A resposta quase imediata: — “aula de pós-graduação.” Perfeito. Continuo perguntando: —“quem é o fornecedor, e o que ele fornece para que este processo possa rodar adequadamente?” Moleza: — “é o professor (geralmente dito na forma mais moderna, profe), e a entrada que ele fornece é conhecimento.” Vou anotando no quadro e continuo: —“e quem é o cliente e o que ele espera como saída deste processo?” A turma, muito animada com a facilidade do exercício responde: — “nós, os alunos, e esperamos como entrega o conhecimento.” Fantástico. Exercício quase pronto. —“E o indicador?” – Pergunto eu. A turma, depois de pensar um pouco: — “é a avaliação do módulo, que a gente responde no final.” — “E o dono? — “O coordenador do curso.” Pronto! Exercício fechado em 2 minutos. Invariavelmente ele termina com a cara da figura abaixo.



Parece tudo certo. Todos estão satisfeitos. É nesse momento que eu pergunto: —“na linguagem de processos, o que é uma ruptura? Ou se preferirem, na linguagem lean, o que é desperdício?” Todos pensam um pouco e as respostas vão surgindo. No final das contas chegamos à conclusão de que ruptura, ou desperdício, é alguma atividade que não agrega valor. Ora, se não agrega valor, não transforma. Se não transforma, o que sai é igual ao que entra. Por favor, querido leitor, dê uma olhada novamente na figura acima. Input e output do nosso SIPOC são exatamente iguais, o conhecimento do “profe”. Conclusão: segundo a versão dos alunos para o processo de aula de pós-graduação, nada é transformado durante a aula, nenhum valor é criado, apenas transferido. Neste momento eu pergunto: —“quanto vocês pagam por mês para estarem aqui? Com esse dinheiro, quantos livros conseguiriam comprar?” Pergunto isso porque absolutamente todo o conhecimento que tenho para transmitir está nos livros. Aliás, os livros são mais completos, perenes e profundos do que eu consigo transmitir em 16 horas. Com essa provocação no ar, eu convido meus queridos alunos a refazer o SIPOC, e assim começamos uma vez mais.

Pergunto: — “vocês estão aqui só para ouvir um mala falar por 16 horas sobre o que está no livro?” Turma: —“NÃO”. Continuo: — “o que mais buscam aqui?” Turma: —“compartilhar experiências”. Eu: —“só do professor?” Turma: —“NÃO, dos colegas também”. Eu: — “então quem são os fornecedores deste processo?” Turma: —“nós e o profe.” Eu: —“e o que esperamos destes fornecedores, apenas conhecimento?” Turma: —“NÃO, experiência, casos reais, soluções aplicadas, sucessos, fracassos, quem sabe até uma namorada nova” (eles se empolgam). Eu também me empolgo e continuo: —“e, sendo os alunos os clientes, o que vocês esperam como saída deste processo, agora com esta nova gama de entradas?” A turma debate e responde magistralmente: —“a capacidade de aplicar o conhecimento adquirido e as soluções descobertas com a experiência dos outros.” Pronto, agora temos valor sendo criado, temos transformação. Para encerrar com chave de ouro baixo minha voz, olho para o infinito para dramatizar, e pergunto: — “neste cenário, vocês acham que realmente o indicador que mede se este processo teve sucesso é a avaliação do módulo?” Silêncio total. Insisto: —“como podemos ter certeza de que vocês desenvolveram a capacidade de aplicar no dia-a-dia empresarial os conhecimentos aqui adquiridos?” Mais silêncio. — “Neste momento desenho um enorme cifrão no quadrado do indicador do nosso SIPOCIO. Pergunto: — “adianta alguma coisa saber aplicar algo se não for para crescer? Tua empresa, você, a comunidade? Meu melhor indicador para eu saber que a aula foi bem sucedida é um e-mail de vocês me contando que foram promovidos porque conseguiram aplicar com sucesso o que discutimos aqui. Ou vocês não esperam nenhum retorno para o investimento de dinheiro e sábados longe da família por mais de um ano?” Agora nosso SIPOCIO mudou consideravelmente.


Pronto. Exercício encerrado. Convido a turma a sempre ir mais a fundo ao aplicar a ferramenta na vida real. Nunca conformar-se com as primeiras respostas, pois elas podem não refletir, de fato, a vontade do cliente e a verdadeira vocação do processo que está sendo analisado.

Toda vez, sem exceção, que aplico este exercício, vou para casa me perguntando, se meus alunos de pós, que têm um nível bacana de formação e experiência profissional, devem ser provocados e conduzidos para chegar à conclusão de que educação não é apenas transmissão de conhecimento, como nossa sociedade, governantes, pais, profissionais, etc. estão encarando esse negócio?


O problema educacional é geralmente encarado através das suas variáveis quantitativas (quantas escolas, quantos alunos, quantos professores com mestrado e assim por diante). Algumas vezes, mais raras, é encarado através de suas variáveis qualitativas (didática dos professores, qualidade das instalações, qualidade do livro didático, etc.). Nunca, entretanto, o problema educacional no Brasil é discutido sobre o ponto de vista de resultados. O aluno conseguiu aplicar o que aprendeu? Essa aplicação o conduziu a ter uma carreira melhor e mais robusta do que a do pai dele? Ele fez a diferença para sua comunidade ou para a sociedade em geral? Mesmo que resolvamos os problemas quantitativos e qualitativos, se não mudarmos a forma de ver a educação, passaremos horas em sala de aula, com a sensação de que perdemos tempo. O livro é mais barato.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Seu Durval e a dura missão de liderar


Imagine uma criança que joga bola no playground do edifício onde mora todas as tardes. Ou seja, uma criança normal. Entretanto, ela é descuidada e todos os dias chuta a bola por cima do muro, para a casa do vizinho. Na primeira vez o vizinho devolve a bola, e pede para a criança ser mais cuidadosa, pois a bola pode quebrar alguma coisa, ou machucar alguém. Na segunda vez o vizinho também devolve a bola. Na terceira, na quarta, na quinta, na sexta e na sétima também. Na oitava vez, como fatalmente ocorreria, a bola atinge a filha do vizinho que estava brincando no quintal. Ela se machuca e entra chorando em casa. Quando a criança descuidada vai buscar a bola, o vizinho endurece um pouco o tom, explica as consequências do descuido do jogador infantil e avisa que da próxima vez ele não verá sua bola novamente. O menino, assustado, para de jogar bola por um tempo. Mas como jogar bola é o que ele faz, logo ele volta. Ele não aprendeu a lição e continua jogando sem cuidado algum. Na verdade ele nunca entendeu os alertas do vizinho. Para ele, o problema era o muro baixo, a bola que pula demais, o próprio vizinho implicante (onde já se viu?!), o clima, o governo, alguém. Ele nem se deu conta de que todas as outras crianças que jogam bola no mesmo playground raramente têm o mesmo problema. Já no mesmo dia lá foi ela. A bola para o quintal do vizinho. O menino foi correndo busca-la e, como combinado, o vizinho não a devolveu. O menino voltou correndo para casa, chorando, reclamar com os pais, com a seguinte frase: “Papai, Mamãe, o seu Durval roubou minha bola”. Os pais, alheios a toda a sequencia de acontecimentos, vão à casa do seu Durval reclamar a bola do filho. Quando seu Durval conta toda a história, inclusive o acidente com a sua filha, os pais não acreditam, acham que ele está exagerando, não estavam lá para presenciar todos os fatos. Seu Durval já tinha doado a bola para uma creche e, para evitar mais confusão, se vê obrigado a dar o dinheiro de uma bola nova para os pais da criança. A vida continua e a bola continua voando, provavelmente no quintal de outra pessoa, mas ela não para. E o menino não aprende.

Agora leia a história novamente trocando o playground do edifício e o quintal do seu Durval pela empresa onde você trabalha, o seu Durval por um gestor desta empresa, a filha do seu Durval por um colega de trabalho, os pais do menino pelas leis e pela justiça trabalhista do nosso país e o menino por um funcionário que foi desligado da empresa.


Não é sempre, mas como gestor já vivenciei vários casos como este, e é exatamente nestes momentos que aprendemos a diferenciar os homens dos meninos no mundo empresarial.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Silêncio Corporativo


Você é um big shot na empresa onde trabalha, tem credibilidade, opiniões fortes e pouca paciência. Ou seja, um executivo comum. Em todas as conversas, reuniões, etc., posiciona-se de maneira contundente e definitiva, com ou sem razão. No começo, as pessoas argumentam, mas com as tuas reações fortes, muitas vezes coléricas, ou com teus olhares de desprezo, com o tempo, mesmo os mais inteligentes, preparados e fluídos na comunicação, começam a achar que o esforço não vale mais a pena. Retraem-se. Essa retração te permite falar qualquer bobagem, agora não apenas achando que está impondo tua visão, mas com a certeza de que está 100% correto. Sempre. Afinal, ninguém tem nem argumentos para rebater. É o que te parece. Quanto mais essas situações acontecem, mais reforço você tem de que está sempre certo. Novos entrantes (pessoas novas na equipe, pessoas novas de outras equipes, fornecedores novos, e assim por diante) desavisados tentam fazer a coisa certa uma ou duas vezes, mas, agora com mais certeza ainda de que não erra, tuas atitudes os apagam também.

Se te pedirem para contar a história da tua vida como líder, admitirá que sempre foi forte e incisivo, mas sempre pensando no bem dos resultados e da equipe, e terá a certeza de que a equipe o respeita e admira, e que foi desenvolvida como nunca. Se alguém da tua equipe for questionado sobre você, ficará confuso, pois ainda tem medo e não aprendeu a falar o que pensa. Quando esta pessoa for ao mercado tentar a sorte, e seu preparo e suas qualificações forem realmente testados, aí sim virá o verdadeiro feedback do tipo de líder que você é. A questão é que este feedback indireto nunca (ou raríssimamente) chega até você. Não se preocupe, tua farsa está bem protegida dos outros, e de você mesmo.

Então, ouso dar algumas dicas caso você não queira intencionalmente se encaixar neste perfil tão comum:

Não confunda, por favor, força com covardia. Destruir a opinião alheia não significa que a tua é boa, nem que você é forte. Significa que você é um covarde. Na verdade mesmo, burro, pois está deixando de aproveitar muita coisa boa que, acredite se quiser, as outras pessoas têm para oferecer.

Quando alguém que ficou muito tempo sob (ênfase no sob) tua liderança sair, por vontade própria ou não, tente acompanhar o que vai acontecer nos primeiros três ou quatro meses pós-você. Não se assuste, por favor.

Se tua equipe andar muito quieta ultimamente, isso provavelmente não é um sinal de que há algo errado com a equipe (como você provavelmente interpretará), mas de que há algo errado com a tua liderança.

Se por algum motivo você achar que a vida é assim mesmo, que essas dicas não servem para nada e que isso é coisa de gente fraca, pelo menos, pelamordedeus, não olhe para o teu povo pensando “caramba, que gente mais sem iniciativa”. Aí já é demais, até para você.


Nem sempre o silêncio vale ouro.

sábado, 1 de outubro de 2011

Banca

Um grande amigo (e profundo conhecedor de Logística e Supply Chain) me disse uma vez uma frase que ficou na minha cabeça. Ele estava tendo algum tipo de problema com a assinatura que ele fazia de algumas revistas de uma grande e conhecida editora nacional. Depois de alguns telefonemas e discussões, ele falou para o responsável que o estava atendendo que a pior coisa que uma editora poderia fazer, era obrigá-lo a ir à banca de revistas.

Perceba quão poderoso e profundo é este insight. O que ele estava dizendo (e com certeza a pessoa que o atendia não entendeu) é que era papel da logística, que estava falhando constantemente na entrega das suas revistas, em garantir a manutenção dos clientes da empresa. Se você assina uma revista é porque quer recebê-la em casa, com conforto, antes de ela chegar às bancas e por um preço justo. Se a empresa falhar nesta missão, o cliente deixa de assinar e vai comprar a revista na banca. O problema é que na banca existem outras revistas, do mesmo assunto ou não, que competem pelo mesmo dinheiro que o cliente está disposto a gastar em revistas naquele mês.

Eis que, meses depois de escutar a história desse amigo e anos depois de ter me tornado assinante de uma conhecida revista de negócios nacional, o mesmo problema aconteceu comigo. Vamos fazer um exame da situação. Faltava pouco menos de um ano para a assinatura da revista expirar. Como tinha recém adquirido um tablet e instalado o aplicativo da revista, telefonei para a editora com a proposta de converter o que faltava da minha assinatura “física” em assinatura “digital”. Foi aí que a confusão começou. A primeira resposta foi de que ainda não estavam comercializando assinaturas para o tablet. Meses depois, quando já estavam supostamente comercializando assinaturas eletrônicas (pois eu tinha recebido uma carta com a proposta), insisti na solicitação. A resposta foi interessante: “Caro Rodrigo, para conhecer e assinar nossas publicações ligue para o nosso Serviço de Vendas de Assinaturas pelo telefone XXXX-XXXX (Grande São Paulo) ou 0800 YYY YYYY (demais localidades), no horário de segunda a sexta-feira das 8h às 22h e aos sábados das 9h às 16h.” Fantástico alinhamento com o cliente. Encerrei a assinatura no ato e fui para as bancas, reais e virtuais.

Essa é a versão curta da história. Nesse meio tempo, tentando entender o porquê da relutância da editora em atender à solicitação de um cliente, tentei racionalizar os motivos do não. Logisticamente não faz nenhum sentido. Se compararmos a entrega eletrônica com a física, fica obvio que esta última é mais cara (papel, tinta, transportes, mão-de-obra para a entrega, etc.) e menos amiga do ambiente. Não sei quanto o tio Jobs cobra da editora para comercializar suas revistas na sua plataforma de vendas do tablet, mas é difícil pensar que isso supere os custos da distribuição física. Não encontrei nenhuma explicação lógica e logística que fizesse sentido. Só pude chegar a uma conclusão. Mais uma vez os silos organizacionais estavam entrando em ação.

Supondo que as unidades de negócio que comercializam a revista física e as que cuidam da venda eletrônica não são as mesmas, a equação estaria solucionada. Cada uma delas tem seus KPIs a serem cumpridos, não necessariamente alinhados com o resultado final da empresa. Fica claro que o pessoal da revista física não iria abrir mão de um cliente assim tão facilmente. Como resultado, essa unidade de negócio perde o cliente, a outra não o ganha e o resultado final da empresa sofre. É o velho e bom desalinhamento de processos de negócio aflorando. Bingo! Meu dilema estava resolvido. Cheguei a uma explicação. Continuo sem o conforto da minha assinatura, mas tenho me divertido nas bancas de revista.

Amansa Egos

Não faz muito tempo, em uma de minhas turmas de pós-graduação, houve um debate interessante acerca de uma ferramenta simples e bastante explorada, a matriz de decisão. Sempre levo uma aplicação simples para que a turma possa usar a ferramenta em um exercício lúdico, que depois facilite sua aplicação no dia-a-dia empresarial. Depois que cada uma das equipes decidiu, usando a ferramenta, se comprariam um apartamento ou se construiriam uma casa, o debate teve início. Discutimos sobre o poder que esta ferramenta tem de trazer todas as discussões sobre priorizações de projetos e tomadas de decisão para o concreto. Em algumas equipes, a decisão da maioria seria por comprar um apartamento e a ferramenta indicou a construção de uma casa. E todos estavam satisfeitos com a decisão, pois ela fazia sentido. Concluímos também que a matriz de decisão tem a capacidade de fazer com que se chegue a um “consenso científico”. Mesmo que algumas opiniões sejam contrariadas, o resultado é dividido por todos. A discussão foi se aprofundando, quando um aluno sugeriu que a matriz de decisão não é uma ferramenta de decisão ou priorização, mas sim uma ferramenta “amansa egos”, que faz com que se deixe de lado gostos pessoais, modelos mentais e pré-conceitos, e privilegia a melhor decisão possível com o conjunto de dados e fatos que se tem em mãos. Foi a melhor definição que já ouvi até hoje. Roubei-a do aluno para sempre.

Graças à discussão interessante e à conclusão “perturbadora” do aluno, fiquei pensando sobre isso. A que ponto chegamos na vida empresarial, que precisamos de uma ferramenta científica para deixar os egos de lado e buscar o melhor para clientes e acionistas? A análise do comportamento dos feudos organizacionais nos dá uma pista. É fato que precisamos deles dentro das organizações para dar conta do volume de novas tecnologias, informações e decisões a serem tomadas no dia-a-dia. O nó está em acreditar que o senhor feudal é o cliente dos esforços empreendidos pelo seu pessoal, quando na verdade, ele é muito mais do que isso. Ele é um gestor de recursos, que deveria sabiamente aplicá-los aos processos organizacionais de modo a atender o verdadeiro cliente da organização, aquele que compra o produto ou o serviço por ela prestado. Quando nos esquecemos disso, os muros ganham altura e robustez, o senhor feudal, poder e arrogância, os egos inflam e o resultado míngua. É mortal.

Recentemente defendi, em um artigo intitulado “A Síndrome da Boa Notícia”, que, graças a esta miopia causada pelos muros altos dos feudos, dentre outros fatores, a alta gestão das empresas está fadada a receber boas notícias que, na melhor das hipóteses, não se somam em resultados positivos para toda a organização. Na pior hipótese sequer se concretizam, sem que ninguém consiga ver que nada foi entregue.

É claro que em ambientes como esse, ferramentas “amansa egos” como a identificada pelo meu aluno na matriz de decisão são sempre bem vindas, mas a questão é muito mais profunda. E questões profundas requerem soluções sistêmicas.

Há que se levar em conta o ambiente em que se está operando, a cultura da empresa, as redes organizacionais e assim por diante. Entretanto, do que não se pode escapar é de imputar na organização, em todos os seus níveis, uma visão por processos. Mesmo que a gestão da empresa não seja puramente por processos (raramente é), explicitar os grandes processos organizacionais, gerenciá-los e garantir um ambiente meritocrático alinhado com os indicadores dos principais processos do negócio é essencial para que todos remem na mesma direção. Assim garante-se que as boas notícias sejam de fato boas para toda a organização. Como disseram Geary Rummler e Alan Brache no seminal “Melhores Desempenhos das Empresas”, em uma tradução livre, “Os Processos estão rodando (ou, frequentemente, tropeçando) nas organizações, quer queiramos ou não. Nós temos duas opções – podemos ignorá-los e esperar que eles façam o que gostaríamos que fizessem, ou nós podemos entendê-los e gerenciá-los”.

Sendo assim, em um ambiente onde os processos de negócio estejam explicitados para toda a organização, os papeis dentro de cada um dos principais processos estejam claramente definidos e delimitados e onde os indicadores se componham para garantir o resultado final, que o cliente possa sentir e dar valor, ferramentas “amansa egos” se tornam secundárias. Os senhores feudais dão lugar aos guardiões dos resultados, e para esses, feudalismo é coisa de livro de história e ego, de aula de psicologia.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Várias maneiras de ir ao mercado

Desde que comecei a dar aula de Gestão por Processos na PUC, montei uma espécie de diário de bordo para não esquecer-me de incluir coisas que surgissem durante a aula e excluir pontos que não funcionaram muito bem. Já na segunda turma introduzi um exercício prático de mapeamento de um processo real. Para que a atividade ficasse ao mesmo tempo simples e divertida, sem perder o poder didático, resolvi pedir para a turma mapear as compras da sua família no mercado, desde o momento do planejamento até a última compra guardada no armário da sua casa. No final do exercício, as trincas apresentam para toda a turma o resultado do seu trabalho. A julgar pelas duas primeiras turmas posso garantir que, além do exercício ter funcionado muito bem, temos ali, meus queridos alunos e eu, momentos de muitas gargalhadas.

É impressionante como as pessoas são criativas. Teve o caso de um dos alunos que por enquanto é meu preferido – o caso, não o aluno, que fique claro. O mercado é na frente da casa dele. Então, ele não tem compromisso nenhum com a precisão da lista ou o número de viagens até o local. Resultado: segundo ele mesmo, no mínimo duas vezes por dia - você leu direito, duas vezes por dia – ele, a esposa ou os dois vão até o mercado. A descrição que ele deu de uma vez que ele foi sozinho comprar uma melancia em um dia de chuva literalmente acabou com a aula. Tive que chamar um intervalo antecipado para o povo se recompor.

Como não existe gargalhada grátis, conseguimos tirar uma lição importante destas sessões de “comédias da vida privada”. Não existe apenas um processo que resolva um mesmo problema. São infinitas as possibilidades. Com carro ou a pé, com lista ou sem lista, sozinho ou com a esposa, uma vez ao mês ou duas vezes por dia, qualquer desenho resolve, depende das necessidades, das restrições e dos resultados que se quer atingir. Melhor mesmo é baixar a guarda da arrogância e tentar ver as coisas sempre de pelo menos duas maneiras diferentes. Em um dos casos, quando eu estava dando sugestões demais para simplificar o processo, um dos alunos reclamou. Para ele, circular por todo o mercado, com calma, sem nenhum compromisso com a assertividade, era um dos passatempos preferidos. Fazer o quê? Tem louco prá tudo!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Logística, gestão por processos e a manufatura enxuta

Na gestão de processos, o termo ruptura é utilizado para descrever atividades ou relacionamentos que de alguma forma não agregam valor, ou que não deveriam existir, ou que precisam de ajustes importantes. Nos mapeamentos de processo que tenho feito, geralmente quando uma etapa logística entra em cena, o produto que sai de uma atividade é igual ao que entra. A peça que entrou na caixinha de transporte é a mesma peça que sai do outro lado, só que agora em outro local. O material que entra na caixinha de armazenagem é o mesmo que sai, só que agora alguns dias mais tarde. Dependendo do conceito de valor (que não pretendo discutir agora), pode-se se dizer que as atividades logísticas por si só já são rupturas e que, no limite do limite, deveriam ser eliminadas (ou reduzidas ao máximo possível).

O pessoal do lean trata como vilões máximos os famosos 7 desperdícios. Os muda (無駄) definidos por Taiichi Ohno. Excesso de produção, transporte, movimento, espera, processo, estoque e defeitos. Se são desperdícios é porque não agregam valor, ou seja, em um desenho de processos aparecerão como rupturas. Bom, alguns destes desperdícios são gerenciados por nós logísticos. Poderíamos ser definidos então como gestores de rupturas de processos de negócio, mas este título não cairia muito bem.

A conclusão é relativamente simples. Logística, para a gestão por processos, é ruptura. Para o lean é um conjunto de desperdícios. Mas ainda não inventaram tecnologia para acabar com a nossa raça. Sendo assim, sobram três opções, sentar e chorar é a primeira. Não recomendo. Simplificar ao extremo, sabendo que se o cliente pudesse, não pagaria um centavo sequer pelo nosso trabalho, é um pouco melhor. Encontrar maneiras de agregar valor ao transporte, à armazenagem e à movimentação de materiais é a melhor delas.

Na hipótese da simplificação, preferida dos japoneses, para cada desperdício existe uma infinidade de técnicas que resolvem o problema. Alguns exemplos: excesso de produção (produção puxada, heijunka ou nivelamento de carga, redução do tempo de setup e TPM), transporte (linhas em fluxo, sistema puxado, organização por fluxo de valor, kanban), movimento (5S, disposição no ponto de uso, one-piece flow, design da estação de trabalho), espera (puxado pelo fluxo posterior, produção no takt time, medições dentro do processo, jidoka, TPM), processo (linhas em fluxo, one-piece pull, 3P, lean design), estoque (kanban externo, desenvolvimento do fornecedor, linhas de one-piece flow, redução de set-up, kanban interno) e defeitos (gembasigma, pokayoke, one-piece pull, qualidade integrada ao processo, 3P, jidoka).

Se além de simplificar você quiser embutir valor onde ele ainda não existe, vários cases de sucesso com os quais você pode se inspirar estão bem documentados. Empresas ocidentais são mais dadas a este tipo de solução. O case de postergação da diferenciação da Benetton é um clássico na redução de estoques e agilidade no atendimento a pedidos. O case Zara, no lançamento de novos produtos é o sonho de consumo de qualquer revisão de processos. A Dell transformou a logística reversa de produtos com defeito (tradicionalmente desperdício puro) em vantagem na agilidade de assistência técnica, fazendo com que a própria DHL cuidasse, no ponto mais próximo do cliente, da manutenção dos equipamentos devolvidos. E o case Barilla de gerenciamento dos estoques no ponto de venda (VMI)? Bom, são vários e vários, todos de uma forma ou de outra focados na inversão da lógica dos processos de negócio, na tentativa de adicionar valor onde valor antes não existia.

No final das contas, de uma forma ou de outra, simplificando ou reinventando, algo deve ser feito se não quisermos que nos reconheçam pelos motivos errados.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A síndrome da boa notícia

Existe uma nova doença corporativa. Seu nome é síndrome da boa notícia. Não estou ainda muito certo da sua origem nem da sua abrangência, mas sei que ela existe.

Funciona mais ou menos assim. Você ainda não tem resultados, tem apenas uma ideia de projeto, não sabe se vai funcionar ou não, quanto menos se terá o apoio necessário das diversas áreas que deverão se envolver no trabalho, mas já consegue fazer uma previsão, ainda que tosca e incompleta, dos resultados. Monta um belo power point e o apresenta para as pessoas relevantes. Pronto, a boa notícia está dada. Caso a redução no orçamento prometida, ou o aumento das receitas, ou o ganho em produtividade não se concretizem, basta encontrar o culpado (como disse o gênio Homer Simpson, "a culpa é minha e eu a coloco em quem eu quiser"). O que importa no final das contas é que a boa notícia já foi contabilizada no seu histórico de feitos notáveis.

É claro que essa doença só afeta as empresas que estão suscetíveis a este tipo de comportamento. Mas que características têm essas empresas? A lista pode aumentar, mas consigo distinguir 3 causa principais, a saber, a falta de visão por processos e o desalinhamento entre departamentos, a aceleração cada vez maior de carreiras e a falta de um sistema de gestão de resultados adequada.

A primeira causa é clássica e ocorre com bastante frequência. A empresa não é alinhada por processos e valoriza excessivamente os departamentos, quebrando o fluxo de agregação de valor. Um ambiente como este é perfeito para a boa notícia sem resultados efetivos. Simples, basta eu mostrar resultados possíveis na minha área que ninguém vai perguntar como fica o balanço final para a empresa, quanto menos se de fato eu fiz aquilo que prometi, até porque fica muito difícil transpor os muros dos diversos feudos para verificar se tudo funcionou de acordo. Cada um por si, ninguém pelos clientes e pelos acionistas.

Chamei de aceleração de carreiras a segunda das causas da síndrome da boa notícia. Com a chamada geração Y tomando as rédeas das empresas aos poucos, e com a aceleração cada vez maior dos mercados, carreiras muito lentas significam morte profissional. Não tenho nada contra crescer rapidamente, pelo contrário. Apenas acredito em histórias construídas com consistência e em fechamento de ciclos. E é exatamente a falta desse cuidado, associada ao desespero em escalar o organograma, que fazem com que as boas notícias, sem consequentes bons resultados, pipoquem nos canhões de projeção das salas de reuniões das empresas.

Por último a mais óbvia (e não menos comum) de todas. A falta de uma gestão de resultados adequada vem sendo tratada exaustivamente por escritores, gurus, consultores e afins. O problema é que na prática a teoria é outra, e alinhar o sistema de indicadores para corresponsabilizar todos pelo resultado final da empresa não é tão simples quanto possa parecer. Acompanhar o atingimento destes indicadores, alinhados ou não, é mais difícil ainda. O professor Falconi chama esta arte de gerenciamento pelas diretrizes, Kaplan e Norton popularizaram o balanced scorecard com a finalidade de alinhar a execução à estratégia e, falando em execução, Ram Charan em seu livro que leva esse nome nos mostra como tirar a estratégia do papel. A questão aqui é duplamente perigosa. Primeiro, indicadores não alinhados permitem que um bom resultado local possa, em alguns casos, prejudicar o resultado global. Depois, como o sistema de acompanhamento de resultados da empresa é fraco, geralmente prometer sem cumprir não traz quaisquer consequências aos pilotos dos canhões.

Tenho que enfatizar que estes três elementos, em conjunto ou isoladamente, somente podem disparar a síndrome da boa notícia se a cultura, a estrutura e, principalmente, a liderança da empresa permitirem. Infelizmente isso ocorre muito mais do que se pode imaginar, para alegria das empresas vencedoras, geralmente livres desse mal. É importante dizer o que vai fazer, até mesmo por uma questão de transparência e alinhamento. Entretanto, tão importante quanto, ou até mais, é fazer o que disse que faria. Aí sim a boa notícia é para valer, e para todos, não apenas para quem a fabricou.

Primo irmão da síndrome da boa notícia, e criado nos mesmos ambientes e pelas mesmas causas, está o desespero em se evitar as más notícias. Ainda mais perverso e danoso aos resultados do negócio. É fácil imaginar que se você está fazendo de tudo para dar a boa notícia mesmo quando ela não existe, vai se esforçar ainda mais para não dar as más notícias. Uma amiga uma vez falou que todos os problemas da vida começam muito pequenos (de problemas de saúde a guerras entre países), e só crescem se não tratados rápida e adequadamente. Em um ambiente onde as más notícias são evitadas a qualquer custo, os problemas crescem desproporcionalmente e sua capacidade de resolve-los fica cada vez mais limitada. É um dos piores venenos contra a capacidade da empresa de executar e entregar seus resultados.

A síndrome da boa notícia está aí, resta saber se terá terreno fértil para ganhar corpo na sua empresa ou não. Uma dica: quando um belo power point for apresentado, anote o resultado prometido e a data prometida de implementação. Programe sua agenda para apitar naquele dia e pergunte ao autor do projeto o que houve com ele. Se ao longo do tempo perceber que recebe mais respostas evasivas e finger pointing do que a comprovação dos resultados, a síndrome da boa notícia pegou sua empresa. Faça alguma coisa! De preferência dando o bom exemplo.

domingo, 31 de outubro de 2010

Elétrons Livres

Hoje falamos muito da geração Y, também chamada de Geração Millenials, Geração Next ou Echo Boomers. Pessoas que nasceram à partir da metade da década de 70 até no máximo o início dos anos 2000 (a versão mais popular hoje em dia vai de 1982 a meados dos anos 90), e que agora começam a assumir a frente das organizações. Depois dos Y, já temos a geração Z, ou geração I (de Internet), mas são ainda muito novos para chamar a atenção da vida corporativa. Ao mesmo tempo em que os da geração X, que antecedeu a Y (de 1961 a 1981), e que hoje estão no topo das organizações, já são conhecidos o suficiente e perderam o charme. Antes deles tivemos os Baby Boomers (pós segunda guerra, de 1946 a 1964), a Silent Generation (de 1925 a 1945), a Grande Geração (de 1901 a 1924) e a Geração Perdida (Lost Generation) antes de todos. Ou seja, nossa mania de empacotar e etiquetar tudo para tornar nossa vida mais fácil já vem de longa data.

Se este empacotamento das gerações facilita as análises sociológicas e organizacionais, nem sempre a etiqueta colocada serve para todos. O risco de erros de análise trazidos pela generalização é sempre inerente a este tipo de classificação. Mas que ajuda, ajuda. Especialmente para que as gerações se entendam entre elas.

No entanto, seja de qual geração for, temos percebido um tipo de profissional que tem se diferenciado nas organizações, e saber aproveitar o melhor deles pode trazer ganhos consideráveis. Vamos chamá-los de elétrons livres.

Os elétrons livres têm fortes características da geração Y, como a familiaridade inata com as várias mídias e meios de comunicação e com as tecnologias digitais, um alto grau de identificação com a cultura pop em geral, baixa fidelidade às organizações e alta fidelidade aos seus projetos de carreira, forte consciência ambiental e alto apreço pela qualidade de vida. Entretanto, nem todos os profissionais da geração Y são elétrons livres, assim como podemos ter elétrons livres de outras gerações. O que os diferencia é exatamente a associação das principais características destas gerações com uma absurda capacidade de realização e entrega. Os elétrons livres são muito mais voltados a projetos do que a rotinas. É como se fosse um típico Y que entrega muito mais do que a média e em tempo recorde.

O elétron livre, por definição, não deve estar preso. Isso significa que as organizações devem criar postos livres de organograma para estas pessoas. Isso não significa que o elétron livre não terá um líder, mas que a característica deste líder deve ser totalmente diferente do tradicional. Mesmo que respondendo para um gerente funcional, o elétron livre deve ter a capacidade de se mover sem amarras para onde os grandes projetos estejam. Seu líder deve entender isso, facilitar sua atuação e ajudar apenas quebrando barreiras que ainda dependam fortemente da hierarquia. Precisa ser elétron livre para gerenciar um elétron livre? Não, mas precisa entender o papel dele na organização, e evitar com todas as forças a tentação de encaixá-lo. Trabalho padrão não combina com ele. Se tentar fazer isso, ele vai embora.

Uma possível saída para a contratação e o desenvolvimento de elétrons livres na organização são os programas de trainees. Um pouco desvirtuados hoje em dia, parecendo muito mais com um programa de contratação de estagiários de luxo, os programas de tainees das empresas poderiam ser adaptados para facilitar a contratação de elétrons livres, o posicionamento dos mesmos próximos a líderes que tenham a capacidade de guiá-los e o acompanhamento dos seus projetos e dos resultados advindos deles. No livro Good to Great, de Jim Collins e equipe, uma das características apontadas nas empresas que tiveram momentos de virada importantes e têm se sustentado no topo, é a capacidade que estas empresas têm de trazer para dentro de casa pessoas de primeira linha, mesmo sem ter a “vaga” no organograma. Collins diz que o mais importante é colocar a pessoa para dentro. A própria pessoa encontrará o caminho para fazer a diferença e trazer os resultados. Acreditamos que este é o caso dos elétrons livres.

Com “vaga” ou sem, no programa de trainees ou não, geração Y, X ou Z, o fato é que em um ambiente onde as coisas acontecem muito mais nas interfaces do que nos feudos herméticos das organizações, e a velocidade com que elas acontecem não foi acompanhada pelas “dinossáuricas” estruturas organizacionais, a vinda do elétron livre é um sopro de esperança para a retomada da emoção de se viver as grandes conquistas dentro das empresas.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Logística Lean e o Grande Desperdício

Estive recentemente em São Paulo no Lean Summit 2010. Organizado pelo Lean Institute Brasil, o evento reuniu em dois dias de palestras os maiores pensadores Lean ainda em ação. Estavam por lá James Womack (A Máquina que Mudou o Mundo), John Shook, Rick Harris entre outros famosos da “Liga Lean de Eliminação de Desperdícios”. Os dois dias foram divididos em várias sequências temáticas de quatro palestras cada. Meu pretexto para participar foi de que eu assistiria às palestras relacionadas à logística e movimentação de materiais. Não deu certo. Quando fui – de última hora, diga-se de passagem – escolher as palestras às quais assistiria, resolvi mudar de rumo. Talvez esta tenha sido a última vinda do Womack a eventos como este, de tal forma que resolvi não perder nada do velho mestre.

No final da maratona, sentado num café do aeroporto, aguardando meu voo de volta, resolvi salvar meu emprego (e a moral com meus queridos leitores) e, já que não tinha visto nenhuma palestra relacionada à logística lean, pelo menos um artigo sobre o tema me vi obrigado a escrever.

No fundo, no fundo, se levarmos radicalmente a sério a máxima lean de que devemos buscar incansavelmente a eliminação dos sete desperdícios, que são, de movimento, de estoque, de superprodução, de tempo de espera, de processamento, de transporte e de defeitos, deveríamos eliminar a função logística das empresas. Pense bem, logística é puro desperdício, ou melhor ainda, é todo um ramo do conhecimento humano dedicado à gestão do desperdício. Profissionais ganham muito dinheiro vendendo livros sobre como bem gerenciar estes desperdícios. Outros dão consultorias para te ensinar a fazê-lo. Outros ainda escrevem artigos em revistas sobre o tema. Ops, como faço parte deste último grupo, e tenho uma reputação a zelar, está na hora de salvar a pátria e evitar constrangimentos.

Pois bem, se logística é a gestão de algumas categorias de desperdícios (do ponto de vista lean), e estes desperdícios podem e devem ser minimizados (apesar de raramente se conseguir eliminá-los por completo), cabe a nós logísticos a busca constante pela auto-extinção da nossa espécie. Se temos estoques, queremos reduzi-los ao máximo, ou de preferência eliminá-los. Se temos que transportar, brigamos para colocar o fornecedor o mais próximo possível da fábrica, ou as peças o mais perto possível do operador de máquina. Poderia citar vários outros exemplos, mas seria um estímulo à depressão coletiva. Nossa busca pela excelência é ao mesmo tempo (e no limite) a nossa busca por outro emprego. Sorte nossa que este limite não existe e buscamos nossa própria extinção com a segurança de saber que, no ambiente altamente complexo em que operamos, ela é inatingível. Enquanto isso, economizamos muito dinheiro para nossas empresas.

Pediram para o Womack explicar, durante uma de suas palestras, como identificar o que é uma ferramenta lean. A resposta dele foi simples e categórica: qualquer ferramenta que faça com que a empresa faça mais com menos esforço pode ser considerada uma ferramenta lean. Se ele estiver certo – e pelo investimento feito no evento é bom que ele esteja – nada tem mais potencial de ser lean do que as ferramentas de gestão da logística e da supply chain. Estamos salvos.

sábado, 22 de maio de 2010

Processo vs Projeto

Eu vivo tentando explicar a diferença entre Processos e Projetos. Para minha equipe, para as turmas do treinamento de Gestão por Processos que aplico, para colegas e para eu mesmo. A coisa ficou mais complicada ainda agora que as duas disciplinas estão sob o guarda-chuva de grandes associações, o PMI (Project Management Institue) para a Gestão por Projetos e o ABPMP (Association of Business Process Management Professionals) para a Gestão por Processos. As duas têm seus livros de referência, o PMBOK (Project Management Body of Knowledge) e o BPM-CBOK (Business Process Management Common Body of Knowledge) respectivamente, e as duas têm certificações profissionais respeitáveis, o PMP (Project Management Professional) e o CBPP (Certified Business Process Professional). Se os profissionais em geral já tinham a dificuldade natural de entender (e gerenciar) o que é Projeto e o que é Processo dentro de uma empresa, agora complicou de vez. Até a sopa de letrinhas descrita acima é parecida. Como estudei, me especializei e apliquei as duas (por necessidades diferentes em momentos de carreira diferentes), não pretendo largar o osso até que eu ache o exemplo perfeito, simples e autoexplicativo desta diferença. Não sei se vai ser desta vez, mas vamos lá.
Fui de férias com minha esposa e o neném para a praia de Bombinhas em Santa Catarina. Sempre que vamos até lá ficamos hospedados em uma pousada muito gostosa, na beira-mar, não muito perto do centrinho, mas perto o suficiente para não gastar 1 litro sequer de gasolina nos oito ou nove dias que geralmente ficamos por lá. Resumindo, o lugar ideal para nós. Pois é, desta vez tentamos inovar. O dinheiro andava curto com a chegada do neném e depois de muita pesquisa encontramos uma pousada bem na ponta da praia, quase no morro, por aproximadamente um terço do preço. Já ouviu a expressão “não existe almoço grátis”? Não criaram esta expressão a toa. Chegando lá percebemos a furada. O quarto que alugamos ficava a uns 200 metros da praia, no terceiro andar de um prédio sem elevador. Veja bem, carregar um neném de 12 quilos, que ainda não anda, por três lances de escada não é o fim do mundo. Carregar os 200 quilos de tralhas que um neném de 12 quilos precisa para viver feliz por três lances de escada, aí sim é de lascar.
Calma que a diferença entre Projetos e Processos está chegando!
Assim que percebemos a burrada que tínhamos feito, corri no balcão da recepção da pousada para negociar. E aí começou o desalinhamento. Para a moça do balcão, minha estada na pousada é um Processo. Uma entre várias. Um ponto na curva estatística. Ela faz check-ins, escuta reclamações, consegue travesseiro extra e faz check-outs para dezenas de clientes todos os dias. Já para minha esposa, meu neném e eu, os oito dias na praia são um Projeto. Ocorre apenas uma vez no ano, tem data para iniciar e acabar, dinheiro contado e apenas uma chance de sucesso. Se falhar, corremos o risco de encenar uma cópia tupiniquim e piorada de um filme de Sessão da Tarde, daqueles do Chevy Chase. Quando a nada simpática moça do balcão falou que não devolveria o adiantamento que eu havia feito para os dias de nossa estada, eu já comecei a ver os créditos rolando na minha cabeça, “Férias Frustradas em Bombinhas”, estrelando minha pequena família e eu.
Esperneei, ameacei, fiz bico, mas no final das contas não teve jeito. O melhor que consegui foi transferir nossa reserva para o bloco da pousada que fica de frente para o mar, pelo mesmo preço daquela outra pousada, sem escadas, perto (mas não tão perto) do centrinho, que adoramos ficar. Mesmo assim com o “bônus” de ter que trocar de quarto duas vezes durante o período de estada. Sim, você leu direito, três quartos diferentes em oito dias de férias na praia. Com escada. Só que agora de frente para o mar.
Todos os dias que eu passava na portaria da pousada, fazia uma cara de coitado para ver se pelo menos a desgraçada lembrava da nossa situação. Na verdade, duas horas depois do check-in ela nem lembrava mais quem éramos. Eu subia a escada que leva do nível do mar à recepção bufando, pingando suor, com o neném em um braço tentando morder minha bochecha por causa do sal do mar e as bóias, o baldinho e a sacola de piscina no outro braço, quase caindo (o braço, não a sacola). Nada. Nenhum sinal de compaixão.
No final das contas, com recepcionista antipática, 12.935 degraus (subidos ou descidos), o mesmo gasto que tentáramos evitar, algumas gramas de sal surrupiadas das minhas bochechas pelo neném, vários litros de gasolina gastos e muitas risadas, curtimos as férias do mesmo jeito de sempre.
Entretanto, essa experiência me fez refletir. Na verdade pouco importa a diferença acadêmica (ou até prática) entre Projetos e Processos. O que interessa é que todo Processo, seja ele industrial ou de serviços, entrega um produto que toca diretamente o Projeto de vida de alguém. A recepção de uma pousada, uma consulta médica, a produção de veículos em uma montadora, seja o que for, controlamos por estatísticas o que é pontual e de extrema importância para ‘aquele’ cliente. Se a gestão de sua empresa é feita da maneira tradicional, qual seja, organogramicamente, por processos, por projetos ou matricialmente, tanto faz. O que interessa é que o produto dela (no caso das B2C) ou o produto final da cadeia de valor (no caso das B2B), geralmente é parte importante do Projeto de vida de alguém. E eu garanto, se você não perceber isso, esse alguém nunca mais põe os pés na sua pousada.

domingo, 9 de maio de 2010

Supply Chain vs. Supply Chain

Quando Michael Porter imortalizou o termo Cadeia de Valor (Value Chain), no seu best seller de 1985, eu ainda estava preocupado em garantir que ganharia de Natal o Falcon que mexia os olhos (da série “olhos de águia”), ao invés do modelo mais simples. Ele (o Porter, não o Falcon) dizia que a verdadeira competição se daria entre cadeias de valor e não mais entre empresas. Somente vários anos depois, quando comecei minha carreira em logística e passei a me familiarizar com as teorias de gestão da cadeia de suprimentos (Supply Chain – a irmã mais assanhada e espaçosa da Value Chain de Porter) e da gestão por processos é que percebi que, na maioria dos casos, ao contrário da competição entre cadeias previstas por Porter, o que se vê na prática é uma competição dentro das cadeias.
Não poderia ser diferente. Se é raro encontrar alinhamento de processos dentro de uma empresa, quem dirá entre empresas. O que se vê de verdade é o velho modelo, ganha mais quem tem mais força, apesar de todo o discurso de “parceria” que se vê nas relações entre os elos das cadeias. Recentemente, em um bate-papo com um respeitado professor da área de logística, infraestrutura e supply chain, perguntei a ele o que achava sobre a integração entre os elos das cadeias de suprimentos e da colaboração entre eles. Minha desconfiança se comprovou. Na sua visão, muito pouco é colocado em prática.
Realmente não fico surpreso em saber que os modelos colaborativos têm poucos exemplos verdadeiros de sucesso. Como alinhar processos colaborativos em uma cadeia de suprimentos completa, se dentro dos muros da empresa pouca gente se dá conta de que o verdadeiro valor aos clientes está sendo criado nos processos empresariais e não nas áreas funcionais? Costumo dizer que o cliente do processo é o cliente da empresa, enquanto que o cliente da área é o seu gerente ou diretor. Então, para podermos falar de cadeias de valor dentro da empresa, ou de cadeias de suprimentos entre empresas, temos que falar de processos e esquecer-nos dos domínios desenhados nos organogramas oficiais da empresa, dos feudos organizacionais, dos silos que criam a distância entre o valor e o cliente, aquele ser esquisito que traz o dinheiro para dentro da nossa casa.
Os processos existem dentro das empresas, queiramos nós ou não. A questão é se vamos gerenciá-los ou deixá-los à deriva, quem sabe entregando o que o cliente quer, quem sabe não. Se você ler qualquer clássico de administração, de uma maneira ou de outra, a visão por processos está lá, sempre se opondo ao apego que temos pelas estruturas hierárquicas da era industrial. O seminal Improving Performance de Rummler e Brache, detalha o conceito e a prática. É impossível para mim citar apenas algumas linhas deste livro, acabaria copiando o livro todo. No best seller A Quinta Disciplina, Peter Senge diz “Tradicionalmente, as organizações tentam superar a dificuldade de enfrentar a amplitude do impacto das decisões dividindo sua estrutura em componentes. Instituem hierarquias funcionais que as pessoas conseguem ‘abraçar’ com mais facilidade. Contudo, as divisões funcionais se transformam em feudos e o que um dia foi uma conveniente divisão do trabalho se transforma em ‘chaminés’ que eliminam o contato entre as funções. Resultado: a análise dos problemas mais importantes da empresa, as questões complexas que atravessam os limites funcionais, torna-se um exercício arriscado ou inexistente.” Até mesmo Ram Charan, no seu Know-How, escreve “Deve-se estar apto a planejar pormenorizadamente os mecanismos operacionais, garantir que cada um seja voltado a um resultado de negócios e diagnosticar a forma como cada um deles está funcionando. Se mecanismos novos forem necessários ou os existentes estiverem obsoletos, é sua função mudá-los.” Ele está claramente falando de processos empresariais, uma vez que os alinha a um “resultado de negócio” e não de uma determinada área ou departamento. Em resumo, a teoria está aí. A prática nem tanto.
Por exemplo, é comum de se ver nas empresas a área de Supply Chain, com diretor, gerentes, supervisores, coordenadores, analistas e operadores. Todo o povo está lá. O difícil é ver esta área se preocupando com os processos de Supply Chain, que envolvem a maioria das (para não dizer todas as) outras áreas da empresa. Área não substitui processo, a não ser que ela seja grande o suficiente para englobar as atividades desde o pedido do cliente até a entrega do produto. Mesmo nestes casos, a área terá suas divisões e estas poderão se transformar em novos feudos.
Se para nós, profissionais de logística e supply chain – e para qualquer profissional na verdade, - o que deveria importar é o resultado final da empresa, e não apenas nossos indicadores locais, devemos confrontar área de Supply Chain com processo de Supply Chain. A primeira, área de conhecimento e funcional, importante, mas não suficiente. A segunda, processo (ou cadeia) de suprimentos, onde o valor realmente é criado. Só então poderemos falar em cadeias de valor, em parcerias, em modelos colaborativos e assim por diante. Quando isto acontecer, deixaremos de ser profissionais da área de Supply Chain e passaremos a ser profissionais de valor para a empresa, seja qual for a caixinha do organograma que ocupemos.
Agora peço licença para curtir o finalzinho das férias com meu filhote, que no momento está mais interessado em arrancar os olhos do meu Falcon (que acabei de encontrar na minha caixa de velharias) do que nessas histórias de Michael Porter.

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Urgência, Importância, Feudos e Processos

Uma atividade é urgente quando deve ser realizada imediatamente ou, na pior das hipóteses, tem uma data limite para ser realizada, e esta data está chegando. Uma atividade é importante quando está alinhada com suas prioridades e vai ajudá-lo a atingir algum objetivo que traçou para sua vida, sua carreira ou para os resultados de sua empresa. O cruzamento destes dois conceitos gera quatro zonas de atividades, a saber, as importantes e urgentes (zona I), as importantes e não urgentes (zona II), as não importantes e urgentes (zona III) e as não importantes e não urgentes (zona IV). Geralmente se diz que, evitando-se ao máximo as atividades da zona IV e tendo coragem de abandonar as da zona III, pode-se investir o tempo que sobra em atividades da zona II para evitar-se cada vez mais as da zona I, entrando-se assim em um círculo virtuoso de gestão do tempo. Aparentemente tudo isto faz muito sentido e na teoria é muito bonito. Existe um problema entretanto. Não basta ter coragem para abandonar as atividades da zona III. Elas, por serem urgentes, disfarçam-se de importantes e ganham a sua atenção. Mas como isso ocorre se elas não são importantes para mim?

Neste ponto há que se fazer uma nova reflexão. Muitas empresas - eu diria até que a esmagadora maioria - não estão organizadas por processos, mas sim por departamentos. Isso provoca a criação dos famosos feudos ou silos organizacionais, geralmente desconectados em termos de objetivos e metas. O que é importante para o departamento A, não necessariamente o é para o B, não tem nada que ver com as atividades do C, e assim por diante. Bom, se A, B e C não têm o mesmo foco, mas no final do dia devem interagir para entregar resultados, como será que um convence o outro de que o que planejou deve ser priorizado? Bingo! A resposta está na zona III. Se estão desconectados, muitas vezes o que é importante para um não é para o outro. Desta maneira, a estratégia inconsciente é criar o senso de urgência necessário para que a atividade seja priorizada pelo outro departamento. Espera um pouco, não é importante e virou urgência? Zona III.

O problema disso tudo é que geralmente a ferramenta utilizada para se criar o senso de urgência necessário para que a resistência seja eliminada é o apelo à hierarquia. É aí que a urgência se fantasia de importância e as coisas acontecem entre departamentos não alinhados. Se sincronizássemos a organização, de modo a enxergarmos a empresa como um conjunto de processos interligados, com o único objetivo de atender às necessidades de um cliente e trazer valor para a empresa, o que é importante para A seria importante para B e C e a pressão da zona III desapareceria na maior parte do tempo. Com este tempo liberado, investiríamos mais tempo na zona II, onde o verdadeiro valor é criado e cada vez mais nos livraríamos da loucura da zona I. Um mundo ideal, que é sonho de consumo de todo mundo que eu conheço. Só não aprendemos ainda a tirar esse sonho do papel.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

O problema de trabalhar com logística

Outro dia fui comprar fraldas para o meu pequeno e me deparei com um dilema. Ele está com quase dois meses e as fraldas de recém-nascido já estão ficando apertadas. Ao mesmo tempo, as de tamanho P são muito grandes. Como não existem farmácias ou supermercados muito próximos à minha casa, teria que garantir um mínimo de fraldas para não passarmos aperto no meio da noite. Quando se trata do próprio filho como cliente, o nível de serviço é uma variável absurdamente importante. Também o custo de transporte ficaria muito alto se eu tivesse que tirar o carro a cada pacote. Ao mesmo tempo, como a crise está aí e meu sangue árabe fala alto, não queria comprar fraldas demais, para evitar não somente o sobrestoque, mas também a obsolescência, ainda mais custosa. Fiquei horas pensando no equilíbrio entre custos de transporte, custos de estoque e nível de serviço, quando me dei conta de que meu filho não está nem aí para tudo isso. O que ele quer é o bumbum limpinho e que o pai dê mais atenção ao choro dele ao invés de ficar delirando. Troquei a fralda dele e fomos curtir o Domingo de Páscoa.

domingo, 12 de abril de 2009

Frankenstein

Estava passando pela mesa de um colega de trabalho e uma cena me chamou a atenção. Ele estava ao telefone, discutindo alguma coisa relacionada ao projeto no qual trabalhava e em cima de sua mesa deitava tranquilo um Palm Top, daqueles modelos com capinha integrada. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que colado na capa do Palm havia um Post-it lembrando-o de ligar para alguém. O Palm, um dos aparelhinhos mais bacanas e práticos já inventados, estava servindo de mero apoio ao pequeno pedaço de papel amarelo com cola embutida, genialmente idealizado pela 3M.

É claro que eu não tenho nada com isso. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca apelou para o Post-it, mesmo com todos os recursos de informática que nos estão disponíveis atualmente. Inventaram até um post-it digital para os aficionados não passarem por inimigos do 5S. Não quero encrenca com a 3M nem com meu colega. Resolvi utilizar esta imagem apenas para ilustrar um caso comum na vida de todos nós, logísticos. Estou falando da abundância de ferramentas tecnológicas à nossa disposição, quase sempre mal utilizadas e às vezes até ignoradas. Mas por que isso ocorre?

O que tenho visto com o tempo é que na grande maioria dos casos as ferramentas tecnológicas são implementadas sobre o caos. São Frankensteins de software e hardware, que vão sendo costurados para se resolver problemas específicos, pontuais. Acredita-se que estas ferramentas vão substituir a inteligência de processos, que é onde está o valor das empresas. Se o seu processo é mal desenhado e não tem um produto bem definido, que atenda às expectativas do seu cliente, o máximo que você vai conseguir com um bom sistema é acelerar a ruína. É claro que existem sistemas tão poderosos e rígidos que acabam exigindo que a empresa organize seus processos para implementá-los. Só que organizar processos para atender às necessidades de configuração de um software não é exatamente o que chamamos de se criar vantagem competitiva. Há nestes casos uma grande chance de que, com o tempo, novos Frankensteins comecem a surgir, pois não se entendeu a priori onde o valor está sendo criado.

A esta altura meu leitor deve estar imaginando que sou avesso à tecnologia. Pelo contrário. Sou tão fanático por tecnologia que fico triste ao vê-la mal utilizada. Só para exemplificar o que estou tentando dizer, vou contar um pequeno caso. Semanas atrás eu estava mapeando um processo de exportação de materiais com uma equipe de logística e comércio exterior. Logo no começo dos trabalhos percebemos que algo estava errado. Havia uma sequência interminável de interfaces entre diferentes sistemas informáticos, cada uma agregando muito pouco ao produto final do processo, que era o pacote de documentos de exportação. Facilmente percebemos que esta sequência, que roubava algo como um dia e meio ou dois do processo poderia ser reduzida a poucos minutos. Aí está a grande diferença entre se olhar o processo do ponto de vista do sistema ou o sistema do ponto de vista do processo. Se analisássemos nosso mapa com o primeiro olhar, dificilmente veríamos algum problema, pois cada interface estava ali para resolver um problema, que surgiu no decorrer da história daquele processo. Problemas legítimos por si só, mas sem sentido algum do ponto de vista do processo e sua cadeia de agregação de valor. Entretanto o que fizemos foi o contrário. Olhamos a real necessidade da existência de todos aqueles sistemas e suas interfaces do ponto de vista do cliente do processo. Nem preciso dizer que foi fácil enxergar os ganhos e simplificar o trabalho fazendo este exercício.

Analisando exemplos como este é fácil perceber porque existem tantas planilhas eletrônicas apoiando softwares que deveriam sozinhos resolver o problema. Quando se utiliza a tecnologia sem um profundo conhecimento do processo, corre-se o risco de utilizá-la pela metade, ou comprar algo que não resolva o seu exato problema. Para cobrir os espaços em branco, planilhas de Excel, interfaces das mais variadas e, em casos mais complexos, quando nada mais funcionar, Post-it.

Teletransportador

Onze em cada dez textos sobre negócios começam com a frase: “No mundo globalizado de hoje com a grande velocidade das mudanças...”, já repararam? Não aguento mais isso, mas como sou invocado por natureza, vou dar um desconto. Afinal, por mais que a frase seja utilizada para vender desde cursos de “MBA” até livros sobre novas fórmulas miraculosas de desenvolvimento de equipes, o fato é que o mundo de hoje está globalizado e as mudanças ocorrem em grande velocidade.

Se o cenário é este, todo mundo está dando um jeitinho de tirar proveito. As barreiras estão sendo quebradas e atualmente as fronteiras culturais são muito mais relevantes do que as geográficas. Vamos refletir um pouco sobre as limitações deste novo mundo. Se informações viajam à velocidade dos elétrons e feixes de luz, e os serviços podem ser prestados 24 horas por dia, de qualquer lugar do mundo, qual o próximo limite se não o fluxo dos materiais?

Você pode pensar, “mas o Sedex 10 é uma evolução! E a DHL Express?” Tudo bem, se considerarmos pequenos volumes sendo transportados dentro do país a coisa evoluiu bastante, mas pense por exemplo na exportação de manufaturados. Fazer uma peça de automóvel fabricada na China chegar ao Brasil é tão ou mais difícil do que era há 10 anos. Neste caso, a logística (especificamente o fluxo de materiais) está um passo (ou dois) atrás. Se analisarmos todo o processo que envolve a exportação de um produto qualquer, nos damos conta do grande esforço necessário desde o processo de aquisição de matéria-prima até a chegada do produto acabado no consumidor final.

Usando o exemplo do Brasil, a burocracia exigida em nosso país ao invés de diminuir, como se tem feito radicalmente na China e na Índia, só faz aumentar. Vencida a barreira dos papéis temos as barreiras físicas, com estruturas ferroviárias quase inexistentes, não confiáveis e não padronizadas; estradas destruídas e insuficientes; espaço aéreo cada vez mais confuso e perigoso; e, apesar da enorme quantidade de rios em nosso território, uma falta de exploração inexplicável deste recurso. Isso tudo sem contar os desperdícios envolvidos no processo. Justamente por não podermos contar com modais de transporte confiáveis em todo o território, a quantidade de vezes que as cargas sofrem transbordo ao longo do seu trajeto consome boa parte dos lucros. Uma vez mais, o mesmo motivo faz com que as empresas necessitem de estoques elevados, em todos os pontos de suas cadeias de suprimento, para absorver as variações de lead time que ocorrem graças à falta de confiabilidade nos transportes e aos atrasos ocasionados pela burocracia aduaneira.

Em alguns lugares do mundo a situação pode estar melhor como na já citada China e nos países ditos de primeiro mundo. Em outros pode estar pior do que aqui. Mas em uma rede global, são os gargalos que ditam o ritmo. E um país com a importância do Brasil não pode ser gargalo para o crescimento mundial. Não pode e não vai, pois a economia se ajusta automaticamente e expurga os gargalos.

 

Se levássemos a análise adiante, facilmente começaríamos a entender a razão pela qual as empresas estão investindo em armazéns locais, desenvolvimento de fornecedores locais e produção localizada, perto do centro consumidor. Isso tudo sem perder as características globais de seus empreendimentos, trazendo o que existe de melhor no mundo para as operações localizadas. Mas espera um pouco, isto não é exatamente o oposto da globalização? Se pensar no fluxo de materiais como processo isolado sim, mas no mundo globalizado, a tendência da logística é estar localizada. É uma das faces da chamada glocalização trabalhando para mitigar os efeitos do atraso na evolução dos fluxos de materiais. Imagina-se que esta tendência continuará, a não ser que a próxima novidade a ser lançada seja o teletransportador. Por enquanto só em filmes, e mesmo assim com o máximo cuidado. Quem assistiu ao filme “A Mosca” deve lembrar o que aconteceu com o personagem principal. De um lado entrou um homem e uma intrusa mosca, do outro saiu o homem-mosca. Se bem que não seria nada mau para a cadeia produtiva, de um lado entram parafusos, peças mecânicas, volante, freios e assim por diante, do outro sai um carro novinho em folha, mas aí já fui mais longe do que deveria.